quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Domingo Sangrento


                As pegadas de Yuri, um menino de classe baixa de Petersburgo, marcavam a neve à medida que seus passos percorriam a calçada de uma rua estreita. Após uma longa caminhada ofegante, o menino de roupas manchadas chegou à sua casa, que estava de portas abertas para recebê-lo. Apoiou-se ao corrimão e subiu as escadas desgastadas para seu quarto. Em um dia normal, se incomodaria com o ruído assustador que os degraus faziam numa casa que era escura em qualquer parte do dia; mas, dessa vez, não percebeu som algum.

            Um fino feixe de luz passava pela fresta da janela fechada do quarto de Yuri, que a deixou fechada por mais que gostasse de ver a rua em frente coberta de neve como um quadro no único quarto bem iluminado da casa. Ao adentrá-lo, o menino fitou as paredes, encarou-as e esboçou um sorriso abobado e vazio.

“Senhor – Nós, operários residentes da cidade de São Petesburgo, de várias classes e condições sociais, nossas esposas, nossos filhos e nossos desamparados velhos pais, viemos a Vós, Senhor, para buscar justiça e proteção.”

            - Ah, que grande dia foi hoje! Eu e meus pais fomos até o castelo, – disse ele - com mais um monte de pessoas para entregar uma carta ao czar. Foi uma longa caminhada, mas todos estavam muito animados, porque iam receber mais tempo para descansar.

            Parando para respirar, o menino olhou para o chão, distraindo-se com uma aranha, mas voltou-se para a outra parede e continuou:

            - Nós fomos cantando muito felizes algumas músicas que o padre nos ensinou. E uma para o czar... Ele deve ter ficado satisfeito.

            Yuri calou-se mais uma vez porque não lembrava o que acontecera depois. Tentou reencontrar a memória em sua mente, mas logo desistiu, tirou o casaco e deitou-se na cama (que estava gelada devido à corrente de ar que vinha da fresta na janela). Cochilou durante um tempo e acordou com fome. Finalmente abriu a janela, sorriu novamente para uma das paredes e logo em seguida gargalhou, como se ela tivesse dito algo engraçado.

“Nós nos tornamos indigentes; estamos oprimidos e sobrecarregados de trabalho, além de nossas forças; não somos reconhecidos como seres humanos, mas tratados como escravos que devem suportar em silêncio seu amargo destino. Nós o temos suportado e estamos sendo empurrados mais e mais para as profundezas da miséria, injustiça e ignorância.”

            - Meu pai já deve voltar do trabalho com minha mãe. Espero que ela faça sopa hoje. Vou esperá-los.

            Não teve jantar naquela noite. Yuri também não percebeu a ausência dos pais por três dias. Ficou em seu quarto, falando sobre o que vivera, o que queria viver e sobre assuntos vazios sem sentido. Ele não percebeu o sangue que escorria de seu pé e muito menos o frio devastador que vinha da janela aberta. Quando encontraram seu corpo, uma semana depois, os vizinhos não conseguiram descobrir se a causa da morte foi o ferimento ou o ar gelado.

            A essa altura, a neve já cobrira as marcas de sangue que ele deixara na neve, mas ninguém duvidou do que havia acontecido. Afinal, todos os corpos baleados tinham sido retirados de perto do Palácio de Inverno muito recentemente. E a cena pavorosa da manifestação pacífica caindo ao chão, em meio a poças de sangue, ainda estava clara em muitas mentes.

“Estamos sendo tão sufocados pela justiça e lei arbitrária que não mais podemos respirar. Senhor, não temos mais forças! Nossas resistências estão no fim. Chegamos ao terrível momento em que é preferível a morte a prosseguir neste intolerável sofrimento.”

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