terça-feira, 29 de novembro de 2016

É sexta-feira, amor

O bar quase cheio, os músicos afinando os violões, as cadeiras de madeira, o vapor d’água que condensa em círculo, entre a mesa e o copo de guaraná. Minha bolsa jogada na quina da mesa, meu batom ainda vermelho, meus braços ainda cruzados, meus olhos mirando a rua. Tua camisa jeans no cantinho do meu campo de visão e eu fingindo que não te vi, após ter virado uma estátua de areia, desmoronando com o susto da tua imagem. Teu anel de caveira, o cheiro do teu perfume. Eu exposta, líquida, derramada no chão. As eleições e os copos de cerveja. E o garçom lá do outro lado. Teus amigos, a legalização da maconha, tua mão no meu braço. A batata frita, os chicken ribs e o molho. All you need is love. O passado - o teu, o deles, o meu. O casal se beijando na mesa ao lado. A prova real. Minha risada alta escondendo um sorriso torto. O celular, o horário, a conta. Tua mão na minha cintura por menos de um segundo. As espadas de plástico no balcão. Um centímetro incômodo e (des)confortável entre nossos cotovelos. Teu braço sobre meu ombro, tua voz invadindo meu ouvido, meu coração parado, meu rosto congelado. Os degraus, as pessoas, eu segurando a saia para sentar. Minha mão brincando com o casaco de alguém, atravessando a mesa. Tua mão sobre a minha mão. A hora de ir embora. O carro preto na esquina, os beijos de despedida. O teu, sempre o último, burocrático. Não vai embora, deixa tua pele encostada na minha. E eu partindo no carro, sem o batom vermelho que deixei no copo de guaraná e na batata frita.

(sobre pessoas que eram outras pessoas em 2014)

Nenhum comentário:

Postar um comentário